Pioneiro dos FIIs vê indústria mais forte e descentralizada
Criador do 1º FII, Sérgio Belleza avalia o amadurecimento do setor e prevê nova fase de avanço
Com o anúncio de que o Memorial Office (FMOF11), o primeiro Fundo de Investimento Imobiliário (FII) do Brasil, vai encerrar suas atividades após quase 30 anos de história devido à venda de seu único ativo, o Clube FII conversou com Sérgio Belleza Filho, que estruturou o fundo, para avaliar a evolução do mercado no Brasil. Um dos criadores da indústria, o especialista lamentou o fim do FMOF11, mas ressaltou a importância desse primeiro passo para o desenvolvimento do mercado de FIIs no país. "Quando você falava de fundo imobiliário em qualquer instituição financeira, ninguém queria nem ouvir falar", recorda.
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Sérgio Belleza Filho é consultor de investimentos e corretor de imóveis, além de diretor de transações e negócios imobiliários na BINSWANGER BRAZIL. Atua no mercado de capitais desde 1972, tendo passado pelos mercados de ações e commodities. Desde 1991 dedica-se aos investimentos imobiliários, em especial FIIs e CEPACs. Além de ter estruturado o primeiro FII brasileiro, o Memorial Office, Sérgio Belleza Filho também foi responsável por ajudar na criação do primeiro FII listado na Bolsa de Valores, o Europar (EURO11).
O consultor destacou o pioneirismo do Memorial Office, que abriu as portas para uma indústria pujante de FIIs, lembrando que, no início da trajetória, os FIIs não eram direcionados para pessoas físicas, mas investidores institucionais. “Imagine só se podia alguém ousar mostrar isso para pessoas físicas na época”. Agora, os cotistas PF são a maioria neste mercado, com uma participação ativa em assembleias e fóruns de discussão, como o fórum do Clube FII. "Assembleia de fundo imobiliário é igual assembleia de condomínio de prédios. Se não tem problema, não tem pouca gente, mas se tem algum problema, lota".
Com um mercado mais amadurecido, a descentralização e diversificação marcam o ecossistema. “Foi muito difícil, no começo, a gente sair dos investimentos em São Paulo. Eu tive muita dificuldade com os fundos imobiliários que eu trabalhei fora de São Paulo. E hoje a gente percebe que os investidores estão começando a tomar ciência de que realmente vale a pena”, compara.
Olhando para frente, o consultor ressalta que o mercado ainda possui novas avenidas de crescimento, sendo o FII considerando um instrumento “que traz rentabilidade, segurança e conforto para os investidores”. Agora, enxerga oportunidades para FIIs fora de SP, como em estados do Nordeste, e voltados a empreendimentos diferenciados, incluindo no setor hoteleiro. Confira a entrevista:
Clube FII: Quais foram os maiores desafios e motivações para criar o fundo em um momento em que o conceito de FIIs ainda era pouco conhecido no país?
Sérgio Belleza Filho: Na década de 90, comecei a me interessar sobre investimento imobiliário através do mercado de capitais. Não existia no Brasil. Tudo que você falava de imobiliário no mercado financeiro era financiamento. O diretor que cuidava disso no banco era diretor de crédito imobiliário, a palavra crédito estava associada. Comecei a pesquisar nos mecanismos de pesquisa da época, acho que chamava Altavista, o Google da época. A gente brinca que a gente fazia uma pergunta, dava um enter e almoçava, e voltava depois do almoço para ver se a resposta tinha chegado. E um dia eu estava pesquisando fundos imobiliários portugueses, pela facilidade da língua até, e os REITs, que eram os fundos imobiliários americanos. Um dia, meu pai, que era diretor do SECOVI, Sindicato da Construção Civil, vira para mim e fala, "você está pesquisando sobre fundos imobiliários?" Estou. "Vai ter uma palestra no SECOVI sobre fundos imobiliários. Marcelo Terra e Arthur Parkinson." O Marcelo Terra é um grande advogado ligado ao SECOVI, e o Arthur Parkinson é um arquiteto urbanista, e eles estão capitaneando todo o trabalho de criação dos fundos imobiliários. Eu fui assistir a tal da palestra e fiquei encantado. Falei: é isso que eu quero fazer.
Logo depois, no ano seguinte, foi em 1993, dia 28 de junho, saiu a Lei 8.668, que criou o fundo imobiliário. Além disso, ela colocou já em audiência pública o texto que viria a ser a instrução 205 da CVM, que era o que faltava, para que pudesse começar o mercado. Durante o segundo semestre de 1993, ficou em audiência pública esse texto, e eu comecei a visitar algumas instituições financeiras que tinham algum pé no mercado de investimento imobiliário. Eram muito poucas, meia dúzia, no máximo. Então, fui visitar a RMC Corretora, que tinha como um dos sócios um dono de uma construtora, o José Stefanes Ferreira Gringo, dono da Ricci Engenharia.
Fui visitar a RMC, já conhecia bem os sócios que tocavam a empresa, que era o Molinari e o Chico Leite. O Molinari virou para mim e falou, "você vai trabalhar com o Fundo Imobiliário?" Eu falei, vou. "Meu Deus, vai já falar com o meu sócio, com o Gringo, você conhece ele?" Conheço. "Vai já para o escritório dele". Ligou para ele e falou, "vai já, porque ele está querendo fazer o primeiro fundo imobiliário no Brasil."
Saí do escritório da RMC e já fui para a Rua Estados Unidos, para o escritório do Gringo, fomos visitar o terreno onde seria feito o primeiro fundo imobiliário no Brasil. Já entramos no carro e fomos para lá direto. A história é exatamente essa. Chegamos lá na Água Branca, um terreno de um imóvel que tinha acabado de ser demolido, do lado de um viaduto que morava gente embaixo, não é bacana como é hoje lá. Falaram, "é aqui que nós vamos fazer o prédio, os andares de garagem vão ficar acima do piso e o térreo do prédio vai estar nivelado com a altura do viaduto, como se tivesse entrada pelo viaduto. Vai se chamar Memorial Office Building". Começamos a estruturar esse fundo, eu comecei a estruturar dentro de uma empresa de consultoria onde eu trabalhava.
Finalmente, foi anunciado em janeiro de que ia ser assinada a Instrução 205. Lá fomos nós, para o Rio de Janeiro, ansiosos para assistir à cerimônia de assinatura dessa Instrução 205. E já voltamos com o texto na mão, lendo no avião, vimos que pouca coisa tinha mudado, quase nada. Só adaptamos o que precisou ser adaptado e, exatamente uma semana depois, dia 21 de janeiro de 1994, nós demos a entrada na CVM no pedido do primeiro fundo imobiliário brasileiro, o Memorial Office Building.
Clube FII: Como você enxerga o impacto do FMOF11 no mercado de FIIs e no desenvolvimento dessa indústria? Que barreiras ele ajudou a superar para outros fundos seguirem o mesmo caminho?
Olha, foi uma batalha muito difícil. Uma emissão desse tipo é aprovada pela CVM em um período de captação de seis meses e eles precisaram renovar por três vezes esse período. Levou dois anos para que a RMC conseguisse captar esses recursos do mercado. Não fui eu que fiz a captação, eu só apoiava, quem fez a captação foi a RMC corretora. Eles se esforçaram muito e só tinha um público para que eles poderiam oferecer isso. Porque imagine só se podia alguém ousar mostrar isso para pessoas físicas na época, que são os maiores investidores de fundo imobiliário, mais de 80% da indústria é pessoa física.
Eles fizeram um trabalho muito dedicado, durante dois anos, junto aos investidores institucionais, os fundos de pensão. Finalmente, em 1996, eles conseguiram juntar 11 fundos de pensão que subscreveram as cotas desse fundo, aportaram capital e começou a obra, construindo o prédio. O prédio só ficou pronto em 1999 e então começou a gerar renda. Essa é a história do início do Memorial Office. Quando você falava de fundo imobiliário em qualquer instituição financeira, ninguém queria nem ouvir falar.
Clube FII: Com o encerramento do FMOF11, o que esse momento representa para você e para a indústria de FIIs no Brasil? Qual legado o fundo deixa?
Para mim é uma tristeza, não posso negar. Para mim, eu fico muito triste saber que esse fundo vai terminar, mas era, vamos dizer, inevitável isso. Hoje, vários fundos daquela época estão se tornando parte de um outro fundo, estão sendo incorporados por outros fundos. Esse, está sendo vendido imóvel, e o fundo vai ser extinto dessa forma. Até que durou muito. Tenho que admitir que durou bastante, quase 30 anos. Mas, sem dúvida nenhuma, para mim é triste, porque é uma iniciativa que eu participei intensamente, eu que coordenei tudo, eu que juntei todas as partes e tudo mais pra sair esse fundo, e fico muito triste de ver acabar.
Mas, ao mesmo tempo, vou te dizer que eu fico muito feliz de ver como a indústria está hoje. A indústria hoje é muito vigorosa, muito forte. Nós temos 30 anos de história, maravilhoso, nenhum problema, uma legislação muito adequada. É um instrumento que traz rentabilidade, traz segurança e traz conforto para os investidores. Se eu não me engano, o índice que fala sobre a participação de pessoas físicas aponta para próximo de 70%, mas só que, dentre os institucionais, existem os FOFs, os fundos de fundos. E esses fundos também devem ter como seus grandes cotistas pessoas físicas. Então, na minha opinião, mais de 80% dos investidores em fundos imobiliários são pessoas físicas. Bastante pulverizado, sabe?
Eu acho uma pena que a gente veja hoje notícias de previdência comprando título de banco que está com problema. Fundo imobiliário tem lastro imobiliário, com segurança para ser investido. Realmente, esse universo dos institucionais é bastante preocupante, mas as pessoas físicas não. Elas sabem estudar. E tem coisas no fundo imobiliário que, para mim, são fantásticas.
Eu brinco que se você chamar uma pessoa que investe em vários fundos, se você tem fundo de ações, e perguntar se ela já foi em alguma assembleia de algum fundo de ações, a resposta será não. Em renda fixa também. Se você perguntar: E fundo imobiliário? “Ah, eu tenho”.
Você já foi em uma assembleia? “Ah, claro. Não falto em nenhuma assembleia do shopping”.
O que você acha? “Se aquele bar lá de cima não virar a porta, virada para o lado da escada rolante, vai ficar pior o faturamento dele”.
Percebo então que os cotistas vão na assembleia, eles dão palpite. Assembleia de fundo imobiliário é igual assembleia de condomínio de prédios. Se não tem problema, não tem pouca gente, mas se tem algum problema, lota. As pessoas dão palpite porque eles falam “não, espera aí, de imóvel eu entendo”. É muito bacana a ligação da pessoa com o fundo imobiliário.
Clube FII: Como você vê a evolução do mercado de FIIs no Brasil ao longo dos anos, quais mudanças você considera mais significativas na indústria? Quais são suas perspectivas para o futuro dos FIIs no Brasil, existem novas oportunidades que você acredita que ainda não foram exploradas?
Eu acho que o fundamental seria que os investidores institucionais tomassem ciência do que eles têm que fazer com o dinheiro dos funcionários que viabilizam esses fundos e começassem a investir em fundo imobiliário. Sabe, esse negócio de ficar investindo em instituições financeiras que têm problema dá toda a impressão de que tem muita coisa estranha a ser investigada por trás.
Eu acho que os fundos imobiliários já deveriam ser alvo de investimento dos investidores institucionais, sem dúvida nenhuma. Investidor estrangeiro investe em fundo imobiliário no Brasil. Então eu acho que esse é um mercado que tem que olhar para o mercado de fundo imobiliário porque essa indústria dos fundos imobiliários tem financiado e viabilizado empreendimentos imobiliários por muitos lugares do Brasil.
Foi muito difícil, no começo, a gente sair dos investimentos em São Paulo. Eu tive muita dificuldade com os fundos imobiliários que eu trabalhei fora de São Paulo. E hoje a gente percebe que os investidores estão começando a tomar ciência de que realmente vale a pena.
Queremos expandir novos fundos imobiliários no Nordeste, por exemplo, o que sempre foi muito difícil de fazer. Mais fundos imobiliários voltados para empreendimentos, vamos dizer assim, na área de hotelaria, que tem muito poucos ainda, estão começando a surgir. A área de hotelaria sempre foi tratada pelos operadores hoteleiros com um certo descaso em relação ao investidor através de fundo imobiliário. E agora eu vejo que estão surgindo novos fundos focados nisso, isso que pode fazer essa indústria crescer ainda mais.
Clube FII: Algum outro ponto que gostaria de destacar?
Foi criada uma associação internacional dos fundos imobiliários num evento que aconteceu em Estocolmo há poucos meses, sendo que vários países estavam presentes com as suas associações nacionais de fundos imobiliários. E nós não temos essa associação nacional. Entendo que o próximo passo que a gente tinha que ter é a criação de uma associação brasileira dos fundos imobiliários para que a gente possa defender os interesses dessa indústria e fazer essa indústria crescer cada vez mais.